Vivemos sob o reinado de um senhor discreto, mas poderoso. Sem coroa nem trono visível, ele dita o que vemos, compramos, com quem interagimos e, pasmem, até o que pensamos. Esse soberano moderno atende pelo nome de “algoritmo”. Mas, ironia das ironias, seu nome é uma corruptela de pronúncia mal resolvida.
Sim, “algoritmo” não nasceu no Vale do Silício, mas nos desertos e bibliotecas da Era de Ouro Islâmica. Seu pai é o ilustre Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi — um sábio persa do século IX. Como seus contemporâneos europeus tinham certa dificuldade com a pronúncia do seu nome resolveram simplificar para “Algoritmi”. Assim nasceu um dos termos mais onipresentes da nossa era.
Ali, na cosmopolita Casa da Sabedoria de Bagdá — uma espécie de Hogwarts da matemática —, al-Khwarizmi pavimentou as bases da álgebra e dos métodos de cálculo. Tornou-se, com toda justiça, o “pai da álgebra” e, por extensão poética, o “avô da computação”.
Naqueles tempos, um algoritmo era um conjunto de instruções racionais e finitas — nada de mais, apenas uma receita lógica para resolver problemas. Mas o tempo passou, os computadores chegaram, e eis que os algoritmos saíram do mundo dos números para invadir o dos costumes. O que era régua virou rede. O que era cálculo virou captura.
Hoje, algoritmos não apenas ajudam: eles escolhem por nós. Mais que resolver problemas, criam dependências, moldam desejos e empacotam o mundo em filtros, sugestões e notificações. Um algoritmo pode não saber se você está bem, mas sabe quando você vai clicar. E isso, convenhamos, já basta para ditar muito da sua vida.
É aí que entra o olhar agudo de Mark Fisher, pensador britânico que enxergava o capitalismo como uma névoa cultural tão espessa que até os seus críticos respiram seus ares sem perceber. Para Fisher, o realismo capitalista é esse estado onde o sistema parece inevitável, onipresente e algoritmicamente confortável.
A crença na neutralidade algorítmica é, no mínimo, um bom conto de fadas. Os algoritmos carregam os vieses de seus criadores e, mais ainda, os interesses de quem lucra com eles. Resgatar a origem dos algoritmos é lembrar que eles nasceram para iluminar o mundo com lógica e clareza — e não para opacá-lo com curadorias invisíveis. Al-Khwarizmi nos legou ciência; nós o rebatizamos com vigilância.
Da próxima vez que você abrir o Spotify, o Instagram ou o aplicativo do banco, pense: por trás daqueles toques e cliques milimetricamente orquestrados, há uma longa história de sabedoria e uma escolha muito contemporânea de controle. Talvez seja hora de reprogramar a relação. Ou, pelo menos, começar com uma pergunta: a quem servem, afinal, os algoritmos?
*Fabricio Carvalho é Maestro e Membro da Academia Mato-Grossense de Letras – @maestrofabriciocarvalho